Sabemos que a deputada é ativista nas causas relacionadas as comunidades pesqueiras no estado de Sergipe. Em abril de 2023 houve uma audiência pública de sua iniciativa sobre a participação na construção de políticas públicas para a pesca artesanal, que conforme o site da Assembleia Legislativa, o objetivo foi dar voz às comunidades que trabalham nessa área. A senhora poderia falar um pouco mais sobre essa audiência pública? Quais as discussões levantadas? Se a partir dessa audiência foi sugerida alguma política pública, ações ou algo que pudesse auxiliar as comunidades pesqueiras no estado de Sergipe?
Olá, muito obrigada pela entrevista. Sim, essa audiência teve uma repercussão muito grande pelo fato de que as pescadoras e pescadores e todos que vivem e sobrevivem nessas comunidades tradicionais, onde a pesca acaba sendo o único meio de sobrevivência, trouxeram várias denúncias do que acontece aqui no estado de Sergipe, como por exemplo, a questão de licenças sem o controle da Adema para a criação e construção de viveiros de camarão – a carcinicultura, e a pressão que eles (comunidades pesqueiras) sofrem, impedindo que esse pescadores e pescadoras exerçam a sua atividade pesqueira e, consequentemente, possam sobreviver. Além disso, a gente trouxe algumas denúncias em relação a poluição e algumas enzimas que acabam poluindo os rios. A gente teve o prazer de visitar a Associação em Pirambu, ali vizinho também a Japaratuba e até fui in loco e percebi peixes mortos por causa da poluição, e além dessas denúncias que eles trouxeram, eles solicitaram que a gente abrisse até uma CPI pra investigar essas licenças ambientais irregulares e a falta também de um apoio e políticas públicas do Estado em dar condições dos pescadores e pescadores a sobreviverem e exercerem a sua a profissão, e diante disso, a gente marcou uma reunião na época, com a anterior presidente e levamos essas reivindicações.
Em dezesseis de dezembro de 2023 ocorreu a “marcha dos povos e comunidades tradicionais”, onde a senhora participou, e que, que consoante do site da assembleia legislativa, o objetivo alertar as pessoas para as ameaças que as populações das águas estão enfrentando nos últimos anos. A senhora poderia nos falar um pouco mais sobre a marca dos a marcha dos povos e comunidades tradicionais?
Sim. Eu sempre ressalto a importância da auto-organização dos movimentos, da sociedade civil organizada, através de sindicatos, através de movimentos sociais que organizam atos como a marcha, que aconteceu aqui, já há dois anos e eu presenciei. Venho acompanhando há anos essa luta em defesa das águas, dos rios, dos mares, e também, em defesa do modo de sobrevivência, em defesa do meio ambiente, porque uma coisa que eu esqueci de falar anteriormente, além da questão do meio de sobrevivência, tem a questão de defesa do meio ambiente, porque eles preservam o habitat natural. Então, é muito importante as marchas, as denúncias e reivindicações da falta de políticas públicas do estado para preservar, principalmente, com esse projeto atual do governo estadual privatista, que pra desenvolver o estado, acha que pode fazer tudo, principalmente, porque além da carcinicultura tem a especulação imobiliária. Eu tive o prazer de conhecer a comunidade quilombola urbana ali de Estância, o Porto da Areia, e ele estavam denunciando sobre uma construção de um grande empreendimento imobiliário sem a consulta a comunidade. Essa semana eu tive lá numa escola e acabei encontrando com o presidente da associação do Porto da Areia e eles estavam denunciando que além desse empreendimento sem essa consulta a comunidade, tem o empreendimento de uma orlinha que já estão em fase de levantamento de dados, as pessoas já estão empreendendo lá sem ter conversado, sem ter feito essa consulta com a comunidade.
Atualmente há políticas públicas direcionadas a essas comunidades pesqueiras no estado de Sergipe, a senhora sabe dizer?
Infelizmente não há Políticas públicas diretas, né? O que acontece muitas das vezes são projetos que eles mesmos (comunidades pesqueiras) organizados acabam desenvolvendo, mas o estado, em si, infelizmente, não tem o olhar adequado pra fortalecer, porque como eu disse, anteriormente, há um projeto de desenvolvimento em curso no nosso estado e as comunidades, principalmente, as que têm uma alta organização, acabam sendo empecilhos para esse tal “desenvolvimento”, que muitas das vezes, infringem os direitos dessas comunidades tradicionais, bem como infringem as leis. A gente tá tendo licenças, muitas das vezes sem o cuidado, sem uma fiscalização mais apurada.
Na opinião da senhora, o que falta para que as comunidades pesqueiras possam exercer a sua atividade com mais segurança, levando sustento para as suas famílias e preservando, também, seu ambiente de trabalho, a natureza?
Que o estado garanta a efetividade das legislações já existentes. A gente sempre diz que o Brasil é cheio legislações, o Estado de Sergipe também, mas infelizmente, elas não são cumpridas como como deveriam, né? As políticas públicas não são efetivadas já que essas comunidades, essas organizações são uma ameaça a um projeto de desenvolvimento ligado às grandes imobiliárias, grandes concessões, né? Usando essas áreas que são bonitas, porque essas áreas de preservação ambiental de comunidade são bonitas, então a especulação imobiliária cresce os olhos, que vai além da questão da carcinicultura.
A título de Sergipe, somente no ano de 2019, que foi instituído o Plano e o Sistema Estadual de Gerenciamento Costeiro, por meio da Lei Estadual n. 8.634, de 27 de dezembro de 2019. A referida lei, defende a proteção dos povos e comunidades tradicionais costeiras, fortalecendo e garantindo os direitos destes povos e comunidades (sistema regulatório estadual). Somente em 2022, foi aprovado o zoneamento ecológico-econômico costeiro do litoral sul de Sergipe, qual seja, a lei 8.980/2022. Há inclusive registros de falas de pescadores, na audiência pública realizada, que relataram que não foram ouvidos para a elaboração da lei.
“Eu quero iniciar a minha fala registrando um protesto que é justamente da forma que está sendo conduzida essa audiência pública, que é pra comunidade costeira e no instante as comunidades costeiras não estão aqui…”. (Trecho da transcrição da audiência pública para apresentação do ZEEC Litoral Sul, que ocorreu no dia 19 de outubro de 2021, na câmara de vereadores do município de Estância/Se).
Mediante isso, podemos afirmar que ainda estamos longe de ter uma lei efetiva para as comunidades pesqueiras, onde seus anseios e dificuldades possam ser supridas?
Além de não estarem sendo cumpridas, como essa lei de zoneamento ecológico econômico costeiro elas não são realizadas a partir da participação popular das pessoas, que são quem realmente sabem o que deve ser feito. Então, mesmo que existam essas leis, né? Além de não serem implementadas, elas são feitas, são forjadas a partir dos interesses do grande empresariado, desse projeto que está aí no poder, desse desenvolvimento, de estar usando “- ah, vamos valorizar o turismo”, e uma das reivindicações dessas comunidades é justamente a questão do turismo nessas comunidades base, e a gente fez até algumas movimentações, porque há um projeto para garantir esse turismo nessas comunidades base. É a comunidade base que tem esse olhar de preservar a natureza, né? Para que as pessoas possam usar a beleza desses locais sem destruir a natureza para que exista o controle. Então, não há esse interesse, o projeto que eles usam “ vamos devolver o estado através do turismo” é sempre na perspectiva do empreendedor, desrespeitando, também a iniciativa das comunidades.
E a senhora pode informar a gente o que a senhora presenciou no dia a dia do trabalhador da pesca artesanal aqui em Sergipe?
Sim, eu tive o prazer de conhecer algumas comunidades, como comunidades Brejão dos negros, a comunidade pesqueira de Pirambu, que é muito grande, também organizada. Eu já tive lá no Porto do Mato, participando de um fórum que foi organizado pelas comunidades tradicionais, pelas marisqueiras, pescadores e pescadoras. Foi fazendo uma fala sobre o que a gente tem feito aqui nesse sentido, que a gente conheceu um pouco as narrativas. E é muito doloroso ver as pessoas que usam o mangue para sobreviver, que é uma prática que vem de família pra família, não conseguirem ter acesso, por causa desses empreendimentos, por falta até de políticas públicas de apoio. A parte do rio de Japaratuba também há denúncias em relação as usinas que acabam despejando dejetos da Usina e poluindo o rio, prejudicando também.
Sobre essa comunidade do localizada na Porto do Mato a senhora tem alguma ideia de projeto para aquela localização?
Eh, nesse sentido a gente ainda não conversou diretamente com a associação. Quando a gente esteve lá foi para ver a realidade do litoral sul. Uma coisa que acontece não apenas no Litoral Sul, mas no Litoral norte também, e que a gente percebe é que há um projeto que impede as políticas públicas de apoio do Estado, na preservação, tanto na forma de meio de sobrevivência, como também em relação a questão do meio ambiente, e a gente tá sempre fazendo denúncia, recebendo também denúncias, em relação a essas questões ambientais. Foi aprovado ano passado o concurso da Adema. Lembro que no dia que fui lá só tinha uma funcionária, o resto eram cargos comissionados, que muitas das vezes, não têm o entendimento de todas as demandas da população, principalmente, nessas áreas de conflitos.
E para concluirmos, o que que a senhora acha que falta ou poderia ser melhorado ou mudado na legislação, no tocante aos pescadores e comunidades pesqueiras aqui de Sergipe.
Que o Governo do Estado escute a população, que a população dessas comunidades de pescadores e pescadoras e outras atividades, como a cata da de mangaba, que tem a ver com essa questão também, né? Do território. Que essas pessoas possam ser ouvidas, que possam ter uma política pública efetiva, mas não com o olhar do governante, que seja construída a partir da participação do olhar das pessoas que vivem e sobrevivem nesses locais, então eu espero que possa, pelo menos, ouvir as denúncias que a gente recebe muito aqui. Essas reivindicações não são resolvidas porque não tem, como eu digo, não há uma prioridade. Eu venho dos movimentos e eu sei da importância da auto-organização da sociedade civil organizada, seja a partir de movimentos sociais, a partir de organizações não governamentais, do instituto, da realização dessas marchas, denunciando descaso das administrações, seja estadual, municipal, em detrimento da valorização do grande empresariado, que por causa do lucro, eles se acham acima das legislações, da lei e querem empreender ou realizar, né? A exemplo da denúncia que a gente recebe da carcinicultura, que não tem uma fiscalização, prejudicando o meio ambiente, porque usam agrotóxicos…
Deputada Leila Brasil, muito obrigada pela entrevista por desprender seu tempo pra conversar com a gente. Quer deixar algum recado em relação a essa comunidade?
Parabenizar, dizer que a nosso mandata está sempre à disposição, a gente tem um GT aqui, que é o GT socioambiental. Nossa mandata é dividida em GT’s que são grupos de trabalho, temos um GT específico, que trabalha nessa área, socioambiental, e também em relação do meio ambiente e, a partir das reivindicações, denúncias, a gente pensa como agir, seja através de criação de projetos, de lei, seja a partir de indicações, de ofícios, de denúncias. Eu digo que meu maior poder é a voz, né? De poder usar a tribuna, os nossos meios de comunicação pra denunciar o descaso e a falta de incentivo para com a nossa população e no caso específico, dessas comunidades tradicionais de pescadores e de marisqueiras do nosso litoral sergipano.
Foto assessoria
Por Ellen Claudia Santos e Luciana Argolo