Após sofrer uma derrota na Câmara com a derrubada da medida provisória (MP) que substituiria o aumento do IOF, o governo Lula começou a exonerar uma série de indicações do Centrão em cargos de segundo escalão.
As demissões atingem aliados do presidente do PP, senador Ciro Nogueira (PI) e de deputados do PSD, presidido por Gilberto Kassab, além de nomes do União Brasil e do MDB.
A medida é vista como uma retaliação ao grupo político, que atuou contra a MP e, segundo governistas, quebrou um acordo para a sua aprovação. A presidência da Caixa, indicada pelo deputado Arthur Lira (PP-AL), não será alterada – Lira se ausentou na votação sobre a MP.
Nos últimos dias, a ministra das Relações Institucionais, Gleisi Hoffmann, levou a sugestão de “pente-fino” para o presidente Lula, que deu carta branca para a represália. As demissões, até agora, já alcançaram:
- Caixa Econômica Federal;
- Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba (Codevasf);
- Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan);
- Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit);
- Superintendências no Ministério da Agricultura.
- Da cota do União Brasil, por exemplo, foi demitida da superintendência do Iphan no Maranhão Lena Carolina Brandão, irmã do líder do partido na Câmara, Pedro Lucas (União-MA). O nome indicado pelo deputado Arthur Maia (União-BA) como superintendente da Codevasf em Bom Jesus da Lapa, Harley Xavier Nascimento, também deixou o cargo.
Maia publicou um vídeo em uma rede social em que elogia o nome de Harley e diz que ele estava há nove anos no cargo.
Aliados de Pedro Lucas e de Arthur Maia minimizam as exonerações e dizem que o afastamento já ocorreria, já que o União Brasil deixou a base do governo.
Ao g1, questionado sobre as demissões, o ministro do Turismo, Celso Sabino, afirmou que “não dá pra ser casado e ter vida de solteiro”. Sabino é do União Brasil e está enfrentando um processo dentro da partido após resistir a sair do governo, mesmo com ultimato da sigla.
PP, PL e MDB
Nomes ligados a Ciro Nogueira (PI) e ao PL também foram exonerados da Caixa: respectivamente, José Trabulo Junior, consultor do presidente do banco, e Paulo Rodrigo de Lemos Lopes, vice-presidente de Sustentabilidade e Cidadania Digital.
Do MDB, foi exonerado da superintendência do Dnit em Roraima Igo Gomes Brasil, indicado pela deputada Helena Lima (MDB-RR). Apesar de o partido orientar contra a retirada da MP da pauta (ou seja, a favor do governo), a parlamentar não seguiu a orientação.
PSD e Ministério da Agricultura
Quatro nomes de superintendências regionais do Ministério da Agricultura também foram demitidos nos últimos dias: Everton Augusto Ferreira, de Minas Gerais; Wellington Reis Sousa, do Maranhão; Juliana Bianchini, do Paraná; e Jesus Nazareno de Sena, do Pará.
Segundo integrantes do governo, as indicações foram feitas por deputados do PSD. O Palácio do Planalto identificou a digital do presidente da legenda, Gilberto Kassab, no movimento contra a MP. Kassab sinalizou a deputados que não queria que o PSD votasse pelo aumento de impostos e o partido orientou voto contrário ao governo – embora a bancada tenha se dividido.
Dentro do PSD, há um incômodo com o Planalto por não informar formalmente a bancada das exonerações. Na avaliação de deputados, a retaliação ao partido “não faz sentido”, já que o PSD sempre entrega a maioria dos seus votos a favor do governo. Na votação da MP, foram 20 votos a favor do governo e 18 contrários.
Além disso, parlamentares da bancada avaliam que – se quisessem atuar contra a MP – poderiam ter trocado o nome do PSD na comissão mista, onde o governo teve uma vitória apertada de 13 votos a 12. Lembram que foi mantido o nome do deputado Átila Lins (PSD-MA), que pode ter sido o “voto de minerva” para aprovar a MP no colegiado.
‘Linha de corte’
O entendimento do Palácio do Planalto é que a votação da MP funcionou como uma linha de corte para saber quem está com o governo e quem não está. Para além da governabilidade no Congresso, auxiliares do presidente Lula dizem que a medida também está atrelada às eleições de 2026.
Embora o conteúdo da MP sequer tenha sido analisado, o governo trabalha com o placar de parlamentares que votaram para tirar a proposta de pauta na sessão da última quarta-feira (8) – o que, na prática, levaria a sua caducidade, já que a medida valia até as 23h59 daquele dia. Foram 251 votos contrários ao governo.
O entendimento do Planalto é que os deputados que deixaram de votar, por enquanto, não serão punidos. Entre eles, está o ex-presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), responsável pela indicação do presidente da Caixa, Carlos Vieira.
Apesar das retaliações, o Planalto deixou “a porta aberta” para quem quiser mudar de posição e voltar a votar com o governo.
Insatisfação dos parlamentares
Na Câmara dos Deputados, a reação do Planalto traz insatisfação. Um importante líder do Centrão diz que “não é uma coisa lógica bater nos aliados num Congresso arredio” e afirma que “não é só a votação que faz aliados”.
Há deputados que se defendem, inclusive, ao dizer que a votação se tratava apenas da retirada de pauta, e não do mérito da matéria.
Outro cacique do Centrão diz que essas indicações são “besteira” e que o governo está ameaçando a Câmara “em troca de porcaria”.
“Se o governo acha que não precisa mais da gente [Câmara], beleza. Estão contando com Senado e Judiciário”, diz esse deputado. “Só que [o governo] esquece que tem uma gama de projetos que, se a Câmara começar a pautar, fica insustentável [para o governo].”
O parlamentar faz referência, segundo ele, a propostas consideradas “bombas-fiscais”, como projetos para elevar o piso salarial de algumas categorias ou mudar regras de aposentadoria. Na semana passada, a Câmara aprovou uma proposta de emenda à Constituição (PEC) que alterou as regras previdenciárias de agentes de saúde – medida com um impacto bilionário para o governo.
Fonte: G1