A autorização para captação e doação de órgãos é um gesto nobre que uma família pode realizar em meio à dor da perda de um ente querido. Além de salvar vidas, essa decisão pode ajudar no processo de luto. Foi o que viveu Bruno Vinícius. Desde criança, ele entendia, dentro de casa, a importância da doação de órgãos. A conversa veio cedo por meio da sua mãe, que sempre reforçou a relevância de ajudar ao próximo. Anos mais tarde, ele acabou sentindo na prática o impacto desse ato. Após 13 dias internada no Hospital de Urgências de Sergipe Governador João Alves Filho (Huse), sua mãe, de 42 anos, entrou em protocolo de morte encefálica depois de uma hemorragia no cérebro, e Bruno autorizou a doação.
“Minha mãe sempre deixou claro que se ela falecesse doassem os órgãos dela então fizemos o que ela sempre quis. Foi muito doloroso mas não me arrependo. Um dia antes, os médicos tinham informado a possibilidade de fazer essa doação e na mesma hora não pensamos duas vezes que aceitaria fazer a doação caso precisasse”, contou.
No caso da mãe de Bruno, os órgãos captados foram fígado, rins e córneas. A captação ocorreu no Huse e beneficiou pacientes de Sergipe, Rio Grande do Norte e Distrito Federal. Para ele, esse gesto também trouxe conforto em meio ao luto.
“Doar os órgãos dela ajudou no processo de luto porque eu vi que minha mãe ajudou várias pessoas. Eu deixaria um simples recado: ajude o próximo, não deixe aquele que precisa de um órgão sem esperança. É doloroso, mas pense por um lado: você está ajudando quem precisa, vai te fazer bem! Não tenha medo, enfrente esse medo, você vai se sentir a melhor pessoa do mundo fazendo uma doação. Eu sempre digo que fiz o que minha mãe faria se estivesse viva: ajudaria o próximo. E ela fez isso, ajudou quem precisou dos órgãos”, destacou.
Papel da família
No Brasil, a doação de órgãos só é realizada com a autorização familiar. De acordo com a coordenadora da Organização de Procura de Órgãos de Sergipe (OPO/SE), Darcyana Costa, esse é um momento delicado, marcado por dor e dúvidas.
“A família é crucial nesse processo, porque a tomada de decisão é muito complexa. É justamente no momento que ela está de dor, de angústia. Então, essa tomada de decisão é da família. Essa família precisa ser muito bem acolhida, precisa estar cercada do processo, principalmente da morte encefálica, que não é uma parte da clínica do paciente fácil de entender. Para a família é um paciente que tem um coração batendo, que tem os órgãos funcionando, e como é que ela recebe a notícia que está morto diante desse processo? Então essa família precisa ter entendimento disso”, explicou.
Segundo ela, o acolhimento começou a ser reforçado em 2023. “Saímos de 30% de negativa para 65% de aceite em 2024. Foi todo um trabalho que a gente foi construindo dentro do setor. Mesmo quando a família nega, a gente sabe que ela entendeu o processo de doação, porque nos agradece no final”, disse Darcyana.
De acordo com a Central de Transplante Estadual de Transplante (CET), até setembro de 2025, Sergipe registrou 37 doações efetivas. Entre elas, 19 de rins. Segundo Darcyana, nem sempre todos os órgãos podem ser aproveitados devido às condições clínicas dos pacientes. “Tem alguns órgãos que a gente não consegue elegibilidade. O paciente já chega com a creatinina alta, por exemplo, e isso inviabiliza a doação. Mas cada doação é significativa”, afirmou.
Desinformação
Um dos principais desafios ainda é a desinformação. Muitas famílias ainda têm receio de que o corpo seja mutilado. Darcyana reforça que isso é mito. “A doação de órgãos não mutila ninguém, até porque é lei devolver o corpo íntegro. Então, mesmo que não doe, a gente deixa bem claro isso: a família vai receber o corpo íntegro do seu ente querido. O que precisamos trabalhar é justamente a falta de informação, e por isso fazemos constantemente ações de sensibilização em salas de espera de hospitais”, reforçou.
Atualmente, cerca de 35 profissionais atuam diretamente nesse processo em Sergipe, entre médicos, enfermeiros, equipe de neurologia e cirurgiões. “Trabalhamos 24 horas, de domingo a domingo, porque a população precisa entender o processo da doação de órgãos. Informação e acolhimento fazem toda a diferença”, concluiu Darcyana.
A Organização de Procura de Órgãos (OPO) estadual fica localizada no Hospital de Urgências de Sergipe Governador João Alves Filho (Huse), próxima ao Setor de Oncologia da unidade.
Fonte: ASN