Manifestantes e veículos da imprensa antitrumpista sofrem para segurar a narrativa de fracasso do presidente; até Macron fez corridinha para chegar perto
Tadinhos dos black blocs. Tadinhos dos punks. Tadinhos dos anarquistas. Tadinho do New York Times e dos outros que afundaram num buraco de ódio desatinado a Donald Trump — não de jornalismo crítico, investigativo e até combativo, como deve ser.
Vamos ver o que os protestos das tribos do quebra-quebra conseguiram até agora em Hamburgo. O maior troféu: Melania Trump não pode sair do hotel para um passeio de barco na romântica paisagem do porto, com cargueiros e guindastes por todo lado.
O interessante tour seria em companhia das outras esposas dos participantes do G20 – os maridos de Angela Merkel e Theresa May foram, injustamente, poupados do mico.
Forçada a trabalhar, jornalistas alemães, inteiramente dedicados ao que, na imaginação deles, são críticas destruidoras a Trump, descobriram que o pessoal do deixa-que-eu-quebro estava cobrando proteção de comerciantes na região dos protestos.
Quem pagasse tinha a chance de escapar ileso dos saques e quebradeiras. Tem uma certa ironia histórica assistir ao momento em que alemães bem cevados na fartura do “cheque do governo” – com certeza deve ter bolsa-tatuagem para os coitadinhos não se sentirem deslocados – se comportam como traficantes em morros cariocas.
SANDUÍCHE DE SALSICHÃO
Na falta do que falar, a imprensa americana antitrumpista inventou que a mulher do presidente Andrezj Duda, o único político polonês de nome pronunciável, havia “esnobado” Trump ao cumprimentar apenas Melania numa cerimônia pública.
Imaginem só: todo o partido do presidente e a parte da opinião pública polonesa que o apoia estava tendo um “love fest”, um festival de encantamento com Trump, considerado vital para os objetivos políticos da Polônia, e a mulher dele, Agata Kornhauser-Duda, professora de alemão numa universidade de alto nível (e mais de setecentos anos de história), filha de intelectuais, iria fazer desfeita em público numa visita de Estado.
Muitos jornalistas americanos, e suas iterações,. também inventaram que o principal discurso de Trump só teve público porque o partido Lei e Justiça mandou frotas de ônibus trazer simpatizantes do interior. Seria o público “kiebalsa”, a salsicha polonesa.
Em lugar de caipiras interessados num sanduíche de salsichão, as câmeras mostram pessoas bem aprumadas e bem vestidas. Em alguns momentos do discurso, cantaram espontaneamente: “USA, USA, USA”.
Uma rápida explicação para o sucesso de Trump. Primeiro, na Polônia tudo é visto sob o filtro do que acontece na Rússia, o eterno e ameaçador gigante ao lado. Ao contrário da imprensa americana, que só fala obsessivamente num conluio de Trump com Vladimir Putin, os poloneses registraram alguns fatos: Tomahawks e caça derrubado na Síria, sob as barbas dos russos.
É o tipo de coisa que deixa os poloneses felizes. Outro fator importante, ressaltado no discurso de Trump: dois terços dos poloneses são completamente contra aceitar cotas de migrantes vindos de países muçulmanos.
TIMES ENGASGADO
Com a Alemanha na liderança, a União Europeia que obrigar Polônia, Hungria, República Checa e outros membros, em minoria, a escancarar as portas para as ondas humanas que, pelas próprias leis comuns, não deveriam ter sido admitidas. Não vai funcionar, mas está provocando um grande atrito.
O discurso de Trump falou mais na força da Polônia e menos em seu sofrimento ao enfrentar séculos de opressão. Defendeu valores clássicos, como o patriotismo e o papel da religião para a sobrevivência da Polônia, e falou em “vontade” de sobrevivência da sociedade ocidental, tangenciando assim a questão da imigração em massa.
O New York Times, engasgado com a visita triunfal de Trump, deu uma matéria criticando o partido polonês no poder por ter, entre outros estarrecedores abusos, aprovado uma lei que exige receita médica para a compra da pílula do dia seguinte.
Como hoje é dia de schadenfreude, vale lembrar também a primeira manchete neutra do jornal sobre Trump desde que ele entrou na campanha presidencial: “Trump pergunta a Putin sobre intervenção na eleição americana”.
Foi, sem dúvida, um aspecto importante do primeiro encontro entre os dois. Mas o resultado mais impressionante, um cessar-fogo na região sudoeste da Síria, mereceu apenas um título com letras bem pequenininhas.
ZONA DE INSEGURANÇA
A criação de uma área “desconflituada”, que vinha sendo negociada na Jordânia, tem uma importância enorme para um eventual acordo que ponha fim ao inferno da guerra na Síria. Russos e regime sírio sempre foram contra, inclusive porque poderia preceder uma eventual partilha do país, com sunitas de um lado, alauítas e cristãos do outro.
Ter uma zona de segurança, se mantida, permitirá eventualmente o retorno de milhões de sírios refugiados na Jordânia e de uma parte dos refugiados internos. É uma das iniciativas mais importantes para a estabilização não só regional como europeia, afetada pelas massas de refugiados.
Terminar a guerra na Síria, quando isso vier a ocorrer, sem que um lado tenha derrotado o outro também é vital. Caso contrário, haveria nada menos do que uma revanche genocida. As derrotas sucessivas do Estado Islâmico também permitem vislumbrar algum tipo de solução.
O fato de que Trump e Putin tenham começado a negociar diretamente e chegado a um acordo só pode ser considerado, em princípio, auspicioso para o mundo todo.
E qual foi a manchete do jornal de Jeff Bezos, antigamente conhecido como Washington Post? “Isolamento crescente dos Estados Unidos fica evidente no G20 enquanto mundo se alinha contra políticas de Trump”. Só faltou Bezos ir jogar umas pedras na zona de insegurança de Hamburgo – exatamente a atitude grotesca, embora sem a parte das pedras, do prefeito de Nova York, o ex-sandinista Bill de Blasio.
Emmanuel Micron, o presidente francês que a imprensa americana queria inventar como herói anti-Trump, deve ter perdido essa parte. Numa das fotos grupais desse tipo de encontrou, saltitou de seu lugar na fila, lá atrás, até se colocar bem do ladinho de Trump.
TOM DE HISTERIA
Depois das críticas merecidas, um elogio mais merecido ainda. Joshua Yaffa, da revista New Yorker, aquela das reportagens tão longas que só aposentados, desempregados ou muito interessados têm tempo para ler, fez um trabalho impecável.
Saiu com uma pauta evidente: demonstrar os efeitos daninhos do suposto conluio Trump-Putin para a brava imprensa oposicionista russa. Voltou com uma reportagem em que todos os entrevistados se espantavam com o tom de “histeria inacreditável” da imprensa americana ao tratar do assunto.
Alguns até registraram que o tom delirantemente conspiracionista dos americanos evoca a imprensa oficial russa. “Não descarto que tenha havido uma operação feita pelos serviços especiais russos”, disse Elena Chernenko, do Kommersant. “Mas pelo modo que a imprensa americana escreve sobre esse assunto, parece que perdeu a cabeça”.
Esse é um dos valores permanentes do jornalismo: um repórter que sai para provar uma tese e, persuadido pelos fatos, escreve uma reportagem mostrando exatamente o oposto.
Jornalistas que ouvem o que as fontes têm a dizer, analisam o que está acontecendo e não o que gostariam que estivesse, apuram o que os vazadores passam em lugar de ser apenas transmissores passivos e não escondem notícias só para prejudicar desafetos, são os que podem, de fato, cumprir o seu papel. Inclusive derrubar presidentes.
Quando não fazem isso, ficam com as calças na mão, como o pessoal da pedrada. O New York Times e o Post foram durante anos “a bússola moral e o modelo que eu queria seguir”, disse Elena Chernenko à New Yorker. “Agora, parece que os jornalistas americanos baixaram seus padrões na cobertura sobre a Rússia”.
Fonte: Veja.com