São Cristóvão guarda boas surpresas para quem a visita. Quarta cidade mais antiga do Brasil e primeira capital de Sergipe, a cidade encanta pela beleza natural, pelo conjunto arquitetônico e pela riqueza cultural. Sem falar nas particularidades históricas e na religiosidade presente em cada canto deste cantinho sergipano. Mas, o maior patrimônio de São Cristóvão é, sem nenhuma dúvida, o seu povo. Capaz de retratar sentimentos na arte, o sancristovense é mesmo assim: zeloso, discreto e conhecedor de tradicionais ensinamentos que incorporam ao seu dia a dia e à produção artística do município.
Características que logo vêm à tona nos primeiros minutos de conversa com José Santos de Araújo, ou melhor, Mestre Passos, sancristovense nato, que traz no apelido a marca da religiosidade viva da cidade. Ele mesmo conta: “Não sou Passos nem de pai nem de mãe, mas como nasci no dia da Festa de Nosso Senhor dos Passos, assim começaram a me chamar, e assim todos hoje me conhecem”, relembra. Talvez por discrição e pela humildade grandiosa dos verdadeiros artistas, Passos “esqueceu” de complementar o apelido, porque muitos o identificam em São Cristóvão por Mestre Passos.
Mestre em criar, em ensinar, em restaurar, em transformar madeira em arte. O ofício da marcenaria aprendeu com o pai, mas o interesse trilhou outros caminhos e chegou ao segmento musical. Tudo começou quando aceitou o trabalho de restaurar um piano no Conservatório de Música de Sergipe, lá pelos anos de 1988. Pronto. Foi o que bastou. Tornou-se um luthier (ofício voltado à construção e manutenção de instrumentos musicais de maneira artesanal). E das mãos deste mestre sancristovense saem os mais belos e perfeitos instrumentos musicais, espalhados por todo o Sergipe e além-mundo.
Arte que rompe fronteiras
“Sempre restauro e fabrico muitos instrumentos para fora. Bélgica, Estados Unidos, Espanha, para muitas partes do mundo. No Brasil, também, a procura é muito grande”, contou o luthier sancristovense. Do atelier localizado no Centro Histórico de São Cristóvão saem, principalmente, instrumentos de corda, como viola clássica, violão, violino, violoncelo e contrabaixo, mas há espaço para outras criações, como a flauta nativa, presente feito recentemente para o músico e percussionista sergipano Pedrinho Mendonça.
O tempo de fabricação é de acordo com o instrumento. Um violão, por exemplo, leva de dois a três meses. Os preços também são variados, a depender do pedido, mas a qualidade é garantida em todas as produções. Quem adquire assegura que o acabamento e a sonoridade são melhores do que os dos modelos feitos de maneira industrial. O segredo, segundo Mestre Passos, é o tipo de madeira utilizado.
“A madeira ideal para o violão, por exemplo, é o jacarandá, mas está em extinção, então tento reaproveitar o máximo possível de móveis antigos. Outros tipos de madeira, as que podem ser compradas, mando buscar principalmente em São Paulo e Espírito Santo, mas utilizo muita madeira de móveis e instrumentos que restauro. Às vezes pego um instrumento e transformo em outro”, explica o luthier.
Tradição de um povo
Além da criação e restauração tradicionais, Mestre Passos também fabrica instrumentos medievais exclusivos para o conjunto sergipano de música renascentista, Renantique. Detalhe: Mestre Passos constrói e conserta todo tipo de instrumento de corda, restaura e afina piano, mas não estudou música, não toca nenhum instrumento.
“É tudo de ouvido”, diz o artista sancristovense, na simplicidade de quem valoriza o fazer, o produzir, o transformar, o ensinar – o Mestre tem turmas periódicas de aprendizes para repassar o ofício. Uma simplicidade de quem sabe a importância de manter viva uma parte da cultura presente nas ruas, na arte e na tradição do povo sancristovense.
Recriando, por Mestre Passos
Além de luthier, Mestre Passos também é artista plástico e nautimodelista (quem se dedica à construção de réplicas reduzidas de embarcações). Ele começou a pintar na juventude, e aprendeu a construir barcos com o pai, como o ofício da marcenaria.
Chegou a fabricar um modelo de 7 metros para uso próprio. E pensou que ficaria por aí. Mas em 2015 foi chamado pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) para ministrar uma oficina sobre barcos, e tomou gosto. Hoje divide a fabricação dos instrumentos musicais com o prazer em ser nautimodelista.
Desta atividade, surgiu a exposição “Recriando”, que reúne 11 réplicas de embarcações pelo olhar de Mestre Passos. As obras estão expostas no Museu de Arte Sacra de São Cristóvão, na Praça São Francisco, Centro Histórico. “É um trabalho que faz parte do imaginário do artista, que remonta à infância. É como se ele estivesse brincando com a madeira e nos presenteando com belas obras que estão na história de Sergipe e de São Cristóvão”, argumentou a diretora do Museu, Sayonara Viana, também curadora da exposição.
Há reproduções da canoa de tolda, do tototó (bem imaterial de Sergipe), do navio de gaiola e muito mais. A exposição “Recriando” fica no Museu de Arte Sacra de São Cristóvão até o próximo dia 10 de agosto, de terça-feira a sábado, das 10 às 16h, e aos domingos, das 9 às 13h. Imperdível!
Ah, quem quiser visitar o atelier de Mestres Passos, ele está localizado na Ladeira do Açougue, 52, Centro Histórico.
Por Ascom/Prefeitura de São Cristóvão