Relacionamentos tóxicos podem ocorrer em qualquer tipo de relacionamento: amoroso, familiar, de amizade, profissional, entre outros. Mas são, principalmente, nas relações amorosas que os casos podem evoluir para situações de agressão psicológica ou física, como alerta a delegada titular da Delegacia Especializada de Atendimento à Mulher, Renata Aboim.
Ela explica que, em muitos casos, a violência começa sutil e vai crescendo. “O agressor da violência doméstica sempre dá sinais, desde o início do relacionamento, demonstra ciúme excessivo, começa de uma forma sutil, porém com o tempo vai demonstrando, cada vez mais, a sua agressividade, seu sentimento de posse com relação à vítima. Por isso é importante que as mulheres estejam atentas a estes sinais e observem que quando a situação passar a ser mais delicada, mais complicada, quando se sentirem acuadas de alguma forma, que faça a denúncia, procure a delegacia de polícia”.
A publicitária V.P., 34 anos, vivenciou três experiências na qual se sentia diminuída e silenciada na relação. De acordo com a jovem, só depois de pôr um fim às relações que percebia o quanto as situações lhe faziam mal, afetando sua autoestima e bem-estar. Hoje, depois de acompanhamento psicológico e vivendo uma relação saudável, ela consegue enxergar todos os relacionamentos tóxicos que viveu, o mal que lhe causaram e as consequências que deixaram em sua vida. “Ainda me sinto culpada pelo que aconteceu, por ter atraído aquelas pessoas. Até hoje, faço terapia e lido muito com esses traumas que essas relações deixam, porque elas minam a mulher por dentro. Relações abusivas fazem com que as mulheres desacreditem do que pensam, de como agem, e dos seus valores”, reforça.
De acordo com a delegada Renata Aboim, nos casos de violência, normalmente os sinais iniciais mais comuns são ciúmes descabidos, tentativas de afastar a companheira dos seus amigos ou de familiares, assim como proibições impostas, como de frequentar alguns lugares e usar determinadas roupas. “A gente continua a alertar as mulheres para que denunciem o quanto antes. Os canais de denúncia estão abertos e em pleno funcionamento durante as 24 horas, nos sete dias da semana. A denúncia precoce consegue barrar a violência, consegue romper o ciclo de violência e evitar que ela evolua até um feminicídio”, ressalta.
Em 2022, foram registrados mais de 11 mil delitos de ocorrências criminais relacionadas à Lei Maria da Penha pela Coordenadoria de Estatística e Análise Criminal (Ceacrim), da Secretaria de Estado da Segurança Pública (SSP/SE), entre ameaças, lesão corporal, vias de fato, injúria, perseguição, difamação, entre outros. No ano passado, 19 mulheres foram vítimas de feminicídio em Sergipe, crime tipificado pela lei 13.104/15, que se refere ao assassinato de mulheres cometido em razão do gênero. Ou seja, a vítima é morta por ser mulher. Nos anos de 2021 e 2022, foram 3.797 ocorrências de lesão corporal no estado, sendo 1.996 em 2022 e 1.801 em 2021.
A Lei Maria da Penha (Lei nº 11.340/06) trouxe maior enfoque à assistência à vítima de violência doméstica direcionada ao gênero feminino. A legislação prevê como violência contra mulher qualquer forma de agressão física, sexual, psicológica ou moral, praticada em ambiente doméstico, familiar, ou em qualquer outro lugar, desde que baseada no gênero.
Todo mundo mete a colher
As ações penais referentes à violência doméstica independem da vontade da vítima. Assim, qualquer pessoa pode denunciar o caso, a fim de repelir a continuidade da agressão. “Em 2020, na fase inicial da pandemia, a gente já começou a observar um acréscimo de denúncias por parte de terceiros e isso tem feito diferença no combate a esse tipo de violência”, disse a titular da Delegacia Especializada de Atendimento à Mulher.
São vários os canais para denúncia: se a violência tiver acabado de acontecer, deve ser acionado o 190, para que a polícia tente fazer uma prisão em flagrante. Caso não seja possível, a vítima pode ir pessoalmente ao Departamento de Atendimento a Grupos Vulneráveis (DAGV) ou procurar a delegacia da sua cidade. Também existe o Disque Denúncia, por meio dos números 180 ou 181.
Relacionamento tóxico
Um relacionamento tóxico nem sempre é fácil de identificar, como relata a publicitária V.P. “Nunca conseguia ver isso quando estava vivendo a relação. Não enxergava a situação abusiva, na qual eu era colocada como louca, como ciumenta, questionada por coisas triviais e silenciada. Também me isolei de minhas amigas, porque ele não gostava delas. E quando acabou o relacionamento eu achava que eu era a errada, até perceber que eu estava vivendo uma relação abusiva”, conta.
Mesmo dizendo que não passaria mais por isso, depois V.P. se percebia, novamente, num relacionamento em que vivia comportamentos semelhantes aos das relações anteriores. “Na minha relação seguinte se repetiu e acabei porque estávamos tendo muitas brigas e, em algumas situações, quando ele tinha bebido, ficava muito agressivo, embora nunca tenha havido agressão física”, diz, ao acrescentar que depois também descobriu que ele estava com outra pessoa ao mesmo tempo que estava com ela e ainda quis se colocar como vítima da situação.
Na terceira ocasião, ela achava que era só um relacionamento casual, sem compromisso, mas acabou se apegando, abrindo o coração e a pessoa falou que não estava pronta para uma relação. “Mas, quando eu decidi acabar, ele ficava o tempo todo atrás de mim”, revela a publicitária.
Hoje, V.P vive um relacionamento no qual há respeito mútuo e segue na terapia para lidar com as sequelas das experiências anteriores. “Hoje consigo visualizar, de forma mais gritante, o quanto eram tóxicas essas relações, porque estou vivendo uma relação saudável pela primeira vez na minha vida, com 34 anos”, diz.
Fonte: Agência Sergipe de Notícias