Uma nova delação premiada, firmada com a Procuradoria-Geral da República, aponta o suposto repasse de propinas milionárias para senadores do PMDB, entre eles o presidente do Congresso, Renan Calheiros (AL), Romero Jucá (RR) e Eduardo Braga (AM). Nelson Mello, ex-diretor de Relações Institucionais do Grupo Hypermarcas, afirmou em seu depoimento aos procuradores que pagou R$ 30 milhões a dois lobistas com trânsito no Congresso para efetuar os repasses. Bolonha Funaro e Milton Lyra seriam os responsáveis por distribuir o dinheiro para os senadores. Mello depôs em fevereiro e, em seguida, deixou o cargo que ocupava na Hypermarcas.
A Procuradoria-Geral da República vai pedir ao Supremo Tribunal Federal que as afirmações envolvendo os políticos sejam investigadas. Os fatos narrados não são alvo de inquéritos no âmbito da Operação Lava Jato. O Estado apurou que as informações repassadas por Mello referem-se a atuação de parlamentares na defesa de interesses da empresa no Congresso Nacional.
Os lobistas, segundo Mello, diziam agir em nome de políticos e que estes poderiam tomar iniciativas de interesse da empresa e do setor no Congresso. Segundo o delator, Lucio Bolonha Funaro se dizia “muito próximo” do presidente afastado da Câmara, deputado Eduardo Cunha (PMDB/RJ), e de outros peemedebistas da Casa. Milton Lyra, por sua vez, afirmava agir em nome dos senadores “da bancada do PMDB” que teriam sido destinatários da maior parte da propina.
Mello disse que conheceu os lobistas em Brasília. Ele afirmou que se ajustou com Funaro e Lira para “se aproximar” do poder. Seu objetivo, declarou, era “proteger” o mercado que representava. Disse ainda que, em sua avaliação, o setor “tinha que ter uma proteção legal”. Mello trabalhou por mais de 20 anos no Hypermarcas, grupo do qual se desligou depois de fechar a delação. Ele afirmou que “ressarciu” o grupo daquele montante que disse ter repassado aos lobistas. Segundo ele, a empresa Hypermarcas “não auferiu nenhuma vantagem e nem sofreu prejuízos porque foi reembolsada”.
Operadores.
Segundo apurou o Estado, o executivo citou vários nomes, incluindo Renan, Jucá, Braga e Cunha. Na Lava Jato, Funaro já foi apontado como operador de Cunha e responsável por viabilizar o escoamento de propina das empreiteiras para as contas do deputado fora do País. Os investigadores chegaram a mapear dois carros, um Hyundai Tucson e uma Land Rover Freelander, em nome da empresa C3 Produções, da esposa de Cunha, mas que foram pagos por empresas ligadas à Funaro.
Também na Lava Jato, os irmãos Miltom e Salim Schain, do grupo Schain, contaram aos investigadores que foram ameaçados por Funaro por causa de problemas em obra de interesse dele e de Cunha. Também na apuração do cartel da Petrobrás, Lyra foi apontado como operador de Renan e seu nome apareceu em uma anotação apreendida no gabinete do senador cassado Delcídio do Amaral (sem partido-MS). No documento, ele aparece relacionado a um suposto pagamento de R$45 milhões em propina para o PMDB.
Em outra frente da Lava Jato, que apura desvios nos fundos de pensão, Lyra é investigado por aparecer como operador de duas empresas que captaram R$ 570 milhões do Postalis, o fundo de pensão dos Correios. Renan e Jucá também são investigados na Operação Zelotes, deflagrada inicialmente pela Polícia Federal em março de 2015 para investigar um esquema de corrupção no Conselho de Administração de Recursos Fiscais (CARF) – órgão colegiado do Ministério da Fazenda, responsável por julgar os recursos administrativos de autuações contra empresas e pessoas físicas por sonegação fiscal e previdenciária. A investigação da Zelotes se desdobrou para a apuração de compra de medidas provisórias no Congresso. Os senadores peemedebistas são suspeitos de terem recebido propina para aprovar MPs de interesse de empresas do setor automobilístico.
Copa.
Por sua vez, Eduardo Braga, ex-ministro das Minas e Energia de Dilma Rousseff e atual senador pelo Amazonas, foi citado em delação premiada de ex-executivos ligados à construtora Andrade Gutierrez como destinatário de propina em obras no Amazonas e em licitações relacionadas à Copa.Todos os parlamentares citados negam qualquer envolvimento em irregularidades.
COM A PALAVRA, AS DEFESAS
Questionado pela reportagem sobre o teor da delação de Nelson Mello, o advogado da Hypermarcas, José Luís Oliveira Lima, não se manifestou. O deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ), citado por Mello como próximo ao lobista Lúcio Bolonha Funaro, informou que desconhece completamente o assunto da delação. Indagado sobre o motivo da citação, o presidente afastado da Câmara dos Deputados disse não ter “qualquer relação com esse assunto” e desmentiu as afirmações do delator.
Por meio de sua assessoria de imprensa, o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), negou qualquer tipo de recebimento de vantagens indevidas. Em nota, Renan reiterou nunca ter recebido “vantagens de quem quer que seja”. “É de zero a chance de se encontrar recursos sem origem justificada do senador”, diz a nota enviada pelo presidente do Senado.Procurada, a assessoria do senador Romero Jucá (PMDB-RR) solicitou que a reportagem procurasse seu advogado.
O Estado entrou em contato com o Antonio Carlos de Almeida Castro, o Kakay, mas ele não respondeu às ligações da reportagem. O senador Eduardo Braga (PMDB), por meio de sua assessoria de imprensa, informou não conhecer ou manter qualquer tipo de relação com Lúcio Funaro e Miltom Lyra. O senador informou ainda nunca ter recebido valores da Hypermarcas ou de seu ex-diretor, Nelson Mello. Procurado, o advogado Luiz Francisco Carvalho, que defende Mello, não respondeu às ligações da reportagem.
A NOTA DIVULGADA PELA HYPERMARCAS NESTA TERÇA-FEIRA, 28: “A Hypermarcas informa que o Sr. Nelson Mello é um ex-executivo da Companhia que exerceu a função de Diretor de Relações Institucionais até o início de março de 2016. Após a saída do ex-executivo, a Companhia contratou assessores externos renomados para conduzirem uma auditoria, já finalizada, que concluiu que o Sr. Mello autorizou, por iniciativa própria, despesas sem as devidas comprovações das prestações de serviços. A Companhia ressalta que não é alvo de nenhum procedimento investigativo e que não se beneficiou de quaisquer dos atos praticados pelo ex-executivo. Após o final da auditoria, com o fim de preservar os seus interesses e de seus acionistas, a Companhia celebrou um instrumento irrevogável e irretratável com o Sr. Mello, pelo qual assegurou ressarcimento integral pelos prejuízos sofridos. A Companhia reprova veementemente quaisquer atos que conflitem com seu Código de Conduta Ética e reitera seu compromisso com os mais elevados padrões de governança corporativa.”
Fonte: Estadão