No pavimento inferior do Palácio Museu Olímpio Campos, localizado no centro da capital sergipana, Aracaju, a cópia do Decreto de Emancipação Política de Sergipe, datado de 1820, rememora o 8 de Julho, data em que é celebrada a independência do território de Sergipe da Bahia. Neste sábado, 08, o estado comemora 197 anos da data. A historiadora Edna Maria Matos Antônio, explica a importância de relembrar e enaltecer a data. “É muito válido comemorar o 8 de julho. Tanto nas escolas, quanto por todos, trazer à memória as figuras políticas que participaram deste processo”.
A Emancipação Política de Sergipe serviu como base para o doutorado da professora, que investigou e correlacionou como os fatos locais e da história do Brasil naquele período que dialogaram para possibilitar este acontecimento em terras sergipanas e os desdobramentos da crise do colonialismo na América Portuguesa. “A tese que produzi, que investiga a independência de Sergipe, se deu a princípio por uma ideia que já era percebida aqui por alguns estudiosos do estado. Uma produção do Instituto Histórico e da própria Universidade Federal de Sergipe [UFS] já havia enfatizado que havia um entrelaçamento do movimento de emancipação sergipana com o movimento mais geral, da América Portuguesa, que alguns gostam de chamar de Brasil Colônia. Fui atrás exatamente de captar as nuances, as questões dessa relação dupla, de como a independência de Sergipe estava acontecendo ao mesmo tempo que dilemas importantes colocados para sociedade colonial foram resolvidos nas várias partes do Brasil”.
A tese da historiadora traz um ponto de vista que esmiunça a ideia amplamente propagada de que a independência sergipana com relação à Bahia teria sido derivada de um gesto do Rei D. João VI como uma forma de começar a participação dos sergipanos na vitória da Corte Portuguesa sobre a Revolução Pernambucana de 1817.
“Percebi que Sergipe tinha uma história muito específica, muito interessante e representativa das questões que as pessoas vivenciaram naquela época em um contexto muito conturbado, que foi o da Independência. E, atrelado a tudo isso, de um modo geral, a gente abandonou uma visão muito ingênua sobre a independência, centrada muito na figura do Dom Pedro I e em algumas explicações que dizem que a sociedade brasileira estava insatisfeita com a colonização metropolitana desenvolvida por Portugal. A compreensão de como as partes do Brasil se comportaram nesse processo de independência estava muito em evidência, no momento que resolvi aprofundar os conhecimentos sobre este fato, mas não havia um estudo específico sobre Sergipe. Aqui havia uma interpretação que não dialogava com essa perspectiva, de destaque dos personagens locais. Fui atrás justamente de captar um momento de discussão política muito importante para região”.
Conquista da autonomia
Para Edna, em Sergipe, o contexto histórico ganha um conteúdo especial porque se ignora ou tenta passar por cima do decreto de Dom João VI. A professora lembra ainda que a capitania já havia sido autônoma em outra época e só passou a ser considerada anexa à Bahia a partir do decreto do Pombal, em 1773.
“Nessa confusão toda, com a Revolução do Porto em 1920, se nomeia um governador pra Sergipe, porque até então o que se tinha aqui eram administradores vinculados à Bahia. Seria a primeira experiência de capitania autônimo a partir do Decreto de 8 de Julho, o famoso decreto de Dom João VI, que concede autonomia ao território e traz um dado muito importante, de que a capitania teria igualdade perante as outras, ou seja, diz que a capitania teria que responder ao governo do Rio de Janeiro, como todas as outras faziam”.
A independência política da então capitania de Sergipe não se concretiza de fato a partir de 8 de julho, como explica a historiadora. “O governador tem que vir para Sergipe para assumir e organizar a capitania nos moldes de autonomia. O brigadeiro Carlos César Burlamaqui é nomeado. Mas uma parte da elite de Sergipe não aceita o novo governante, principalmente a mais ligada à Bahia, porque compactuavam das ideias da Revolução do Porto [movimento político de caráter liberal e antiabsolutista que, no Brasil, resultou, em 1821, no retorno da corte para Portugal]. Além, obviamente, de manter o domínio de uma região que era importante abastecedora de gêneros alimentícios, de exportação, que tinha uma economia relevante que auxiliava muito a economia baiana, uma economia de suporte. E Burlamaqui estando aqui, representando o rei, era um empecilho a tudo isso. Então, setores da elite daqui que coadunam com essas opiniões passaram a tramar a deposição do primeiro governador, Carlos Burlarmaqui. Também havia as relações familiares, políticas e econômica com os grupos da elite da Bahia, então era uma espécie de coesão de grupos da elite da época. Claro que havia grupos que queriam que o decreto fosse respeitado, que não queriam o retorno da situação subalterna à Bahia. Eram projetos políticos diferentes e havia apoiadores para cada um deles, mas ganhou o grupo de mais força e depuseram o Carlos Burlamaqui, que ficou preso na Bahia”.
De acordo com Edna alguns registros mostram que, os batalhões dos grupos militares seguiram a liderança de chefes específicos, como José Guilherme Nabuco de Araújo, de Estância e Santa Luzia, que organizou sua tropa para poder marchar até São Cristóvão, sede da capital sergipana na época. “Também vieram outras tropas de Laranjeiras e todos unidos chegaram a São Cristóvão e foram apoiados por tropas baianas. De certa forma, São Cristóvão foi invadida por tropas militares destes grupos para fazer o governador ceder, o que acabou acontecendo. Alguns relatos mostram justamente isso, Sergipe retornou à condição de subalterno sem que fosse necessário um único tiro de bala. Pois Burlamaqui viu que não tinha condições de resistir. Ele pediu ajuda dos próprios militares e não foi acatado, não recebeu retorno, então percebeu que estava realmente sozinho. No Rio estava aquela confusão, se Dom João voltava ou não para Portugal e se jurava a Constituição liberal, devido a revolução do Porto, então não tinha como a Corte ajudar”.
Sergipe, assim, retorna à condição de comarca até que, em 1823, o contexto da Independência do Brasil serviu para que a decisão da carta régia de 8 de julho de 1820 fosse confirmada e referendada por Pedro I. São Cristóvão é novamente elevada à condição de cidade, para ser a capital de Sergipe. Posteriormente, a Constituição do Império, de 1824, colocou Sergipe entre as províncias do Brasil, consolidando a Emancipação de 8 de julho.
Importância
“Claro que foi um movimento da elite, não dá pra negar, mas temos que pensar que uma sociedade inteira projetou naquele momento que a vida deles poderia mudar de alguma forma. Há registros de que senzalas se levantaram, comemoram quando ficaram sabendo da Independência do Brasil, aqui também em Sergipe, senzalas de Sergipe. Então percebemos que houve sim uma expectativa da população mais pobre, da população explorada a respeito do processo político que estava acontecendo, iniciado lá naquele 8 de julho”.
Segundo a historiadora ainda que a confirmação tenha vindo 1823, o 8 de julho representa um marco para Sergipe. “É a data oficial, mas há uma série de questões, de contexto, processo e eventos, que a História e as voltas que o mundo deu e acabou resultando naquilo, que na verdade traz um conteúdo muito mais interessante. Óbvio que a data é importante, mas se tem que pensar que quando a gente vai contar um pouco sobre essa data, ela nos remete a um contexto muito complexo, mas mesmo assim, intrigante, curioso, que diz respeito a Sergipe, que as pessoas deveriam conhecer mais e que de modo algum é algo que inferioriza, pelo contrário, mostra que teve luta aqui para separar Sergipe da Bahia, houve manifestação, ação de muitas pessoas envolvidas para conseguir essa realidade, de uma província independente”.
Palácio-Museu
A cópia da carta régia, exposta no Palácio Museu Olímpio Campos fica localizada na sala dedicada à História da Província de Sergipe. Inaugurado em 1863, o Palácio Olímpio Campos, hoje Palácio-Museu Olímpio Campos, conta um pouco da história do estado por meio de um acervo de mais de mais de mil peças. O prédio foi a sede do governo do estado de Sergipe até 1995. Em 2010 foi transformado em um museu.
A coordenadora do museu, a historiadora Izaura Ramos, conta que em 2017 o espaço já recebeu mais de 5,8 mil visitas. “Só em junho foram quase 2 mil visitantes. Janeiro, fevereiro, dezembro, junho e julho a visitação é mais alta por causa do turismo. Nesse período, de alta do turismo, o público maior é de fora, nos demais o público é mais nosso, como escolas, pessoas que frequentam o centro e instituições que agendam visitas”.
O Palácio Museu fica aberto de terça a sexta, das 10h às 17h, sem intervalo para almoço. E aos sábados, das 9h às 13h. “Eventualmente quando escolas e universidades nos solicitam, abrimos à noite também. O agendamento é feito por telefone [ (79) 3198-1461] ou pelo site, que tem um local especifico para isso. A entrada é gratuita”, lembra a historiadora.
Para Izaura Ramos o palácio já é um monumento que está inserido no contexto da sociedade aracajuana. “Pelo fato que ele nasce junto ao nascimento de Aracaju, ele foi a sede do Estado até a década de 80. Saiu daqui de dentro da sala de gabinete do governador decisões importantíssimas. O palácio é fundamental para história política de Sergipe, principalmente, e essa é nossa missão como museu contar a história política do estado. O público de Sergipe tem curiosidade para ver como era a casa dos governadores, como eram os quartos, a sala, como eles viviam. Mas como nosso circuito começa pela parte histórica eles começam a se envolver com a história, como de Fausto Cardoso, que morreu na porta do palácio. Com a maquete de Aracaju, mostrando que Aracaju ate 1940 era uma cidade plana, então eles começam a se envolver e perder a curiosidade primeira de só conhecer a casa dos antigos governantes. Então quando eles chegam no pavimento superior, chegam com uma outra visa, com um conhecimento muito maior do que é Sergipe e do que é a política de Sergipe e daquilo que é cada figura dessa tão importante pra gente e que a gente não conhece”, revela a coordenadora.
Agência Sergipe de Noticias