Entender por que as mulheres são infiéis é uma questão-chave para a psicologia evolucionista. Tradicionalmente, as traições por homens heterossexuais têm sido explicadas pelo desejo de aumentar o sucesso reprodutivo. No entanto, essa mesma lógica não se traduz para as mulheres hétero, uma vez que se engajar sexualmente com múltiplos parceiros não traz a elas os mesmos benefícios evolutivos.
A reprodução de uma mulher é limitada às suas gestações, não ao número de encontros sexuais que tem, como acontece com os homens. Como a sua participação reprodutiva termina na ejaculação, isso permite que eles tenham filhos com múltiplas parceiras ao mesmo tempo.
Essa discrepância levou os cientistas a explorar outras razões evolutivas potenciais para a infidelidade, resultando em duas hipóteses principais: a troca de parceiros e a estratégia de acasalamento duplo.
A hipótese da troca de parceiros sugere que as mulheres podem se envolver em infidelidade para encontrar um melhor companheiro a longo prazo. Por outro lado, a estratégia de acasalamento duplo indica que a traição teria como objetivo buscar o melhor material genético em um caso, mantendo as “obrigações” parentais com o seu parceiro principal.
De forma a colocar ambas essas possibilidades à prova, uma equipe formada por pesquisadores das Universidades de Oxford (Reino Unido) e Melbourne (Austrália) conduziu um estudo com pessoas de 19 países – a amostragem mais ampla em termos de contextos sociais para um estudo do tipo.
Ao todo, foram entrevistados 254 homens e mulheres heterossexuais que foram infiéis com seus cônjuges. A investigação mediu, em escala, três componentes principais de atração: física (aparência e desejo sexual), pessoal (proximidade e companheirismo) e parental (habilidades na cocriação dos filhos). Isso tanto em relação ao parceiro oficial quanto ao seu caso extraconjugal.
Além das medidas quantitativas, as entrevistas também contaram com perguntas qualitativas, a fim de reunir informações que possibilitassem a identificação de temas e padrões recorrentes nas justificativas da infidelidade. Os resultados do estudo foram publicados em um artigo na revista Evolution and Human Behavior.
Cônjuge x caso
A maioria das mulheres entrevistadas classificaram os seus casos extraconjugais como homens mais atraentes fisicamente, mas menos habilidosos como pais, quando comparados aos seus parceiros principais. Esse padrão se alinha com a estratégia de acasalamento duplo, no qual a mulher se beneficia com os “bons genes” de um parceiro e o apoio parental do outro.
Diferentemente do que implica a hipótese de troca de parceiros, o estudo não encontrou evidências de que as mulheres preferiam seus casos ou os viam como melhores parceiros de longo prazo. Poucas entrevistadas atribuíram a esses homens maior valor de companheiro ou personalidade.
Isso indica que as mulheres não estão tipicamente buscando substituir seus parceiros “principais” por seus parceiros de caso. Em vez disso, elas parecem manter uma distinção clara entre os papéis de cada um deles.
Curiosamente, identificou-se que os homens também poderiam ser infiéis para buscar benefícios genéticos em casos fisicamente atraentes, ao mesmo tempo em que valorizam suas parceiras primárias como mães. “Embora seja consistente com pesquisas anteriores, descobrir essa estratégia dualista em homens foi uma surpresa”, afirma Macken Murphy, autor principal do projeto, ao site PsyPost.
Mesmo que incomum, algumas participantes indicaram que seus casos se tornaram melhores companheiros a longo prazo. Isso indica que a troca de parceiros não é um motivo dominante, mas ainda pode ser relevante.
Por que trair?
A partir das falas qualitativas dos entrevistados, os pesquisadores conseguiram delimitar as motivações por trás da infidelidade em seis temas. São eles:
- Desejo por variedade: tanto homens quanto mulheres admitiram que a vontade por novas experiências românticas e sexuais os fez buscar pessoas fora de seus relacionamentos;
- Insatisfação: um número significativo de participantes mencionou sentimentos de negligência, falta de apoio emocional e infelicidade com seus parceiros principais. As mulheres eram notavelmente mais propensas a citar essa motivação;
- Vingança: relatos indicam traições motivadas por vingança, como uma resposta à infidelidade do próprio parceiro principal – para criar um “senso de justiça” ou “equilíbrio” das ações;
- Validação externa: algumas pessoas indicaram que seus casos foram motivados por um desejo de validar sua atratividade e desejabilidade no “mercado”;
- Apoio financeiro: embora menos comum, algumas respostas sugerem que as mulheres podem se envolver em infidelidade para garantir recursos adicionais e suporte de múltiplos parceiros, aumentando assim o seu bem-estar e o de seus filhos;
- Outros: alguns participantes mencionaram fatores únicos ou situacionais que influenciaram sua decisão de trair, tais como excesso de estresse, relacionamentos a longa distância e a influência de drogas e álcool.
“A infidelidade é uma tática que serve a uma variedade de estratégias evolutivas, incluindo a obtenção de recursos adicionais, a troca para um novo parceiro primário e, especialmente em nosso estudo, a aquisição de benefícios genéticos para a prole”, explica Murphy. “No entanto, embora os humanos tenham evoluído para trair, isso não significa que devamos – e a maioria das pessoas não o faz”.
Limitações da pesquisa
Como todas as pesquisas, esta também apresenta algumas limitações. O estudo baseou-se em entrevistas, ou seja, os dados podem ser influenciados pelo viés dos participantes, que podem não ter revelado com sinceridade ou de forma integral as suas motivações para trair.
Além disso, os autores destacam que a análise da investigação não é sobre motivações conscientes, diretamente, mas, sim, a respeito da psicologia subjacente a elas. Assim, os resultados encontrados não são uma resposta tão simples. Também é importante notar que fornecer uma explicação evolutiva para um comportamento, como a infidelidade, não é o mesmo que justificá-lo.
Fonte: Galileu